quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Espelhos



Rio de Janeiro - Ana acordava todos os dias às 5h da matina e corria kms para manter a forma, depois seguia para a academia e mais 1h e 30min de musculação, não satisfeita: spinning...natação, lambaeróbica. Ao final estava exausta, tomava banho e ganhava a rua e sempre passava na banca de jornal, pedia Boa Forma, Nova, Cláudia, etc... E antes do trampo, o ritual dos cremes... e aquele café da manhã de frutinhas e um iogurte... o almoço o franguinho grelhado e os pedaços de alface... Assim seguia a rotina diária...se guiando...sempre com o corpo em dia...mas será que ela era feliz ? Será que ela fazia isso por amor ou porque toda a cultura de massa a pressionava? Será que ela era amada porque tinha o corpo que o mundo queria, ou será que ela amava quem era? Mas quem era ela ? Ela foi construída e esculpida segundo seu desejo? Sempre na última moda, no último grito e com o sapato mais caro. Podia pagar a plástica que quisesse para manter os anos sempre congelados. E aquelas 10 ou 20 sessões de drenagem linfática...tudo ela podia fazer...para ter a estampa rejuvenescida! Será que ela é uma escrava ?

Afeganistão- Nogreh não tinha o direito de mostrar seu corpo, seu rosto e seu sorriso quando andava pelas ruas. A vestimenta a protegia dos olhares segundo a sua cultura, a protegia da tentação e de pensamentos impuros dos homens. Era uma lei, um código que se não fosse seguido a punia com pedras. De vez em quando ela se dava ao luxo de colocar um sapato de salto branco, fugia às regras muito de leve, o sapato a fazia se sentir feminina. Será que se pudesse escolher estaria usando uma burca ?

Ocidental ou Oriental será que as mulheres gozam da suprema liberdade de escolha ? Simbolica ou concretamente...as mulheres sentem na pele o quanto são escravas de convenções e regras que não foram eleitas por elas. Elas se submetem... essa seria a liberdade ? A prisão de um corpo siliconado, malhado, plastificado e a prisão de uma vestimenta que o esconde...será que existe diferença ? É algo a se pensar...

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

En passant


Todos os dias perfazia o caminho de sempre à saída do serviço. A barraca de frutas, a banca de jornais, o supermercado, o estacionamento. De rotina somente o percurso, já que a variedade de frutas e a particularidade das notícias quebravam o encanto da mesmice. Assim como o supermercado, cuja proximidade com o centro da cidade oferecia uma fauna sortida de cidadãos. Tudo era ponto de vista onde a retina brandia diariamente.

Nesse vaivém desenfreado, pois já lá iam dez anos, presenciou uma cena à porta do supermercado. Uma mulher morena, lenço à cabeça, rodeada de filhos, indagando o gerente do estabelecimento pelo emprego do mais velho. “Deixa, moço?” O olhar do menino, projetando ansiedade nos olhos do gerente, atravessando-os, procurando abraçar a esperança no infinito.

Num último relance, já na contra-mão do alcance de mira, pôde vislumbrar a mão do gerente pousar sobre o ombro do menino.

Esquina dobrada, eis o estacionamento. Que para fugir da rotina e participar ativamente doa dinâmica do momento, lhe oferecia um pneu furado.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Niilismo Afirmativo!


Vísceras insubmissas!
Rejeito qualquer má consciência!
Mantenho a inocência!
Não padeço de ressacas!
Bebo as leis que faço!
Transgrido sob o signo da conveniência
e oportunidade!
Me reduzir seria um atentado
contra as forças do inexorável inusitado!
Eu prefiro tempestades!
Me visto de credora de mim mesma
me cobro uma existência que nega limites!
Me apaixono pelo Agora :
esse melhor momento da vida
que não podia ter outro nome
PRESENTE!

Literal clichê


Atrasado, não viu outra opção.
Estacionou o carro na vaga para deficientes físicos.
Foi o velho golpe do joão-sem-braço.

Frase do dia


Mas quem disse que os libertinos não são fios de Deus?!
Deus tem pentelhos!!!

Quase clichê


O trânsito estava infernal. Já passava de 20 minutos o atraso para o trabalho. Quando afinal chegou, avistou uma vaga no outro lado da rua. Que sorte! Era só fazer o retorno a 50 metros. Aquilo era uma dádiva, haja vista as obras na redondeza e a dificuldade no estacionamento. Quando retornou, já havia um carro estacionado. Resultado: a vaga foi pro brejo.

CONTRADITÓRIA!


Não posso conceber
meias verdades, viver pela metade,
meias palavras, semiventos, meia voz,
meios termos, condições
limites semitons, tons pastéis,
formas diluídas de amor, fragmentos, fingimentos,
aquarelas... Sou uma adepta das cores fortes
o sangue do vermelho me excita
assim como as negras noites ainda que enluaradas
e as alaranjadas manhãs de sol forte
gosto dos intensos gemidos
dos sentimentos direcionados e abertos
das grandes tempestades,
gritos e raios
farras saciadas e curtidas, ensandecidas e externadas,
pinturas a óleo, Modigliani e seus estreantes e ousados nus,
a fascinante liberdade dos cavalos alados...
Mas por você não me importo
em interpretar secretamente a personagem secundária,
a coadjuvante,
em aguar minhas tintas,
em ficar envolta em névoas...

Serei o que você quiser, a mulher que você quiser...
Até mesmo uma boneca parada na estante
esperando você para brincar...

Casa-mata


Como na semana passada, a cunhada voltou a me perguntar pela vida amorosa. O almoço em família é assim, parentada, cachorro e papagaiada. Guetos se formam nos vários ambientes, sala, copa e quartos, onde a meninada se reveza no computador e nos canais animados. Ventiladores de teto a toda, burburinho em uníssono, latidos se sucedendo a cada campainha. Risos, tilintares, tampas de panela batendo. Nessa profusão de sons e itinerantes, chego até a copa, onde a mensagem de minha cunhada, míssil teleguiado em meio ao vozerio, me acerta em cheio. Decibel zero no recinto. Imobilidade geral. Até o cachorro parou de abanar o rabo. Como um imã, desvio o olhar para a minha mãe, que já está com a alça de mira por cima dos óculos. Como já havia desconversado no último domingo, vi que um segundo descarte não seria bem-sucedido. Naquele átimo, fixo o olhar na minha cunhada e sorrio. Era só para ganhar tempo, já que não queria mais esconder a minha jovem paixão. Na verdade, queria ver até quando o suspense ia segurar o silêncio. Resolvo girar a cabeça como um tanque de guerra que observa a amplitude do front. Devolvo numa artilharia pesada, do calibre dos meus 45, que a minha companheira é uma guerrilheira dos seus 23. Minha mãe afunda a cara na cuia. Minha cunhada não segura o queixo e nem os olhos na órbita. A amostra do familiame em volta me olha e se entreolha. A empregada que vinha no rotundo trajeto de sempre deixa a panela cair sobre a mesa. Eis o silêncio quebrado. A vida volta ao normal. O cachorro late, uma risada corta a sala até meus ouvidos, algum carro é ligado na garagem. Entre bafafás e zunzunzuns, sento-me e sirvo-me com a faca e o queijo na mão. Sintonizo em meio ao murmurinho comentários cáusticos, que vão desde o “que absurdo” até o “minha nossa senhora”, passando pelo mais leviano de todos, que é justamente aquele que você não escuta. Levanto mais uma vez a boca de fogo e cuspo: aqui, me deixem comer em paz?

Como alguém se torna o que é ?


Quem me dera ser
dínamo
moto-contínuo
fósforo
e estopim
da vida alheia...

Quem me dera detonar
a desventura
a insensatez
a usura

ser o espelho da causa
que cada um deveria defender...
completo e total...
pronto pra somar...
pronto para juntar...
o que sobrou da existência...
do nosso passado...
a humanidade dardeja o anseio de se reagrupar...
colar todas estrelas desatomizadas...
tudo num só...
centelhas divinas perdidas no espaço...
... são os cacos de vidro espalhados...
frutos de muitas histórias...
que partiram...
desfacelaram...
desintegraram...
passei tantas vêzes por isso...
que a minha inteireza hoje
é um belo reflexo...
no plexo...
um coração enorme...
não sei onde posso adentrar...
e com isso operar...
fazer a mágica da conexão...
mando meu recado...
e os que o escutam vêm ao meu encontro...
e eu lhes conto:
como superar seus próprios limites
e expurgar suas tragédias...
não sou muita coisa...
mas estimam o que sei...
minha atitude... serve apenas para reafirmar...
possibilidades... inúmeras...
não trago verdades...
apenas o caos...
e aviso...
aos que desejam ser inseridos nessa seara...
apenas os corajosos...
apenas os que... olham para as próprias mazelas...
apenas os que redigem internamente novas palavras...
introjetadas... e devolvidas...
vislumbrando inaugurar ótica diversa...
apenas os que não se subestimam...
esfomeados e ruminantes por outras direções...
por fazer diferente... e sair da síndrome da repetição...
neuroses que foram copiosamente afogadas...
foi e é preciso sempre revalorar os sentidos...
A pergunta que é de lei é:

“Como alguém se torna o que é ?”

Quando se sabe o que se é e o que se quer ser?
Não existe solução...
apenas perguntas...
mil questionamentos
antes que cada um obtenha a sua resposta...
basta ler, reler, reescrever, reeditar...
o próprio ser...

Com outra tinta... com outra cor...
mas transparente... para si próprio... sempre...
... para os demais... uma incógnita...
sem qualquer mediana explicação...

sábado, 3 de janeiro de 2009


Escapei de um mar revolto com ondas altas e redemoinhos sem-fins por um estreito turbulento. Travessia complexa de manobras tortuosas para não encarar o paredão. O gosto de sal não distingue mar de lágrima. Desemboquei num lago quase plácido. Nada belo, céu cinzento. Estranha serenidade. Aqui e ali, ondas circulares surgem na superfície, provenientes de borbolhas vindas do fundo. Crocodilos? Podia ser golfinhos. Espero que não seja o Ness. Ouço um canto. Iara? Sereia? Vento? Faço ouvidos moucos. A mão necessita de mais calos para a longa travessia. Nada à margem. Tudo é bússola em direção ao azul.

Vanilla Sky!

Ela tem a mania de usar a baunilha para colorir o céu

e o faz em seus pequenos desenhos mentais

uma crença no hoje de cada momento...

e quase sempre o açaí faz as vezes do seu batom

uma boca lotada de coração...

Ela não está sozinha em suas andanças...

a companhia diária do astro-rei está a dourar o olhar com ímpeto da esperança.

Ela se atira destemida na ventura da vida...

adotando um novo nome a cada prova recebe

os fogos de artíficio e os arrepios...

sem perder o riso

a dor passa de fininho

e entra por suas portas

ela corre e as abre...

mais ainda venha,

venha é por aqui...

no fundo sabe que...

é só uma visitinha...

não veio para ficar...

A menina brinca de conjugar verbos

não acredita em ser salva do dragão...

quer todo o perigo que puder...

quer a corda bamba

e todo o circo armado

quer estar no palco da vida...

encarnando o seu personagem

mas sem perder a inocência e liberdade

ela repete incansavelmente o mantra...

tudo é como é...

e está em seu devido lugar quem chega e quem vai...

fica até quando puder...

até a lição ser aprendida...

o arbítrio é do espírito...

e sofrer é uma escolha... na escola...

A menina se torna auto-consciente...

E simplesmente vibra na luz e na treva...

A cisão é coisa da cabeça... por isso ela une...

As cores todas em sua palheta...

Une todas as flores...

humanas flores em seu jardim...

Dália, Margarida, Rosa, Girassol... Papoula, Tulipa...

e tantas outras...

Reúne em uma mesa o africano, o asiático, o brasileiro, o russo,

o americano, o iraniano, o judeu, o anglicano,

o católico e tantos outros e tantas outras personagens...

são apenas vestes...

Une todos para celebrar o banquete da vida

debaixo do mesmo céu de baunilha...

Esquina Capital


Brasília é uma cidade sem esquinas

E não ter esquinas
É não ter encontros súbitos
É não ter a surpresa do que vem lá

Não ter esquinas
É não ter abordagens amorosas
Encontros marcados
É viver uma vida sem conversões

Não ter esquinas
É não saber do vento atravessado
É não sentir a nostalgia das penumbras
É não ter a orientação das placas de rua

Não ter esquinas
É não comprar na venda da esquina
É não perguntar ao guarda da esquina
É não ter o “extra” do jornaleiro

E não ter esquinas
É não saber o que é esquina

Pois a esquina
É onde tudo acontece

A esquina
É por onde a vida circula

A esquina
É a curva do mundo

Pobre Cuore!


coragem é sinômimo de coração no meu dicionário

e o tempo é sujeito a tantas e dolorosas marteladas fazer o quê?

que preço caro paga por cada arroubo

por viver uma dinâmica completamente não linear...

concreta e abstrata em seu devir...

caótico e pulsante...

ele me move...

para alturas e abismos com ânsias de absoluto...

o medo vai sempre embora na queda livre...

e olha que não existem asas...

o chão vai me espatifar...

um dia eu o alcanço... isso é certo...

pois o efêmero tem horas contadas...

sigo assim...

até a proxima esquina onde este vagabundo vai de novo empurrar a roda...

e encontrar com o seu destino...

se apaixonar... outra vez

outra vez

outra vez...

ele é pião que não pára de girar...

ele é pipa solta no ar...

ele é meu cuore que não cansa de aspirar...

um grande amor para recomeçar...

E agora, beija-flor?


E o que eu vou fazer com o teu presente
que está lá no armário
embrulhado
pronto para ser aberto
e receber uma dedicatória?
um livro da mais pura poesia...
Lê-lo? Não vou conseguir captar
a sua essência, vou me perder
nas entrelinhas

E as duas garrafas de frizante
que estão na geladeira
esperando para serem consumidas
com abacaxi e calda de chocolate
que tu dissestes um dia ser afrodisíaco...
Tomá-las? Pra quê, pra sentir o gosto
da amargura?

E a minha alma
abandonada dentro do meu corpo
frouxa
drenando o sumo frio da solidão

E o meu coração
que por ora dança
fora do ritmo

E a esperança, aquela mentirosa
que me seduziu com perfume de rosa
bandida banguela malvada

Passei os últimos seis meses do ano passado
no ocaso do amor

E os cinco primeiros deste ano
no caos da paixão

Saldo: 11 meses por fora no avesso.

Palavras.


as palavras meu nobre e adorado amigo

são estes limites que escolhemos

e ainda assim quando escolhemos...

fazemos de tudo para encontrar as melhores...

mas às vezes elas não aparecem

ficamos loucos tentando entrar no rio da nossa alma...

com todos os aparatos possíveis para encontrá-las

mas a nossa alma às vezes é profunda demais...

densa demais...para ser expressa em apenas signos inventados...

eu conheço esta angústia que persiste em nossas horas humanas

de todo o dia

quando o dia já não é tão dia

é a mais noite obscura de sentido...

completamente impenetrável...

portanto às vezes a melhor palavra...

é a nossa quietude ou ação não atuada...

mas nem por isso carente de intenção...